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Direito de Família e Mobilidade Internacional

União Estável: Brasil X Portugal

UNIÃO ESTÁVEL NO BRASIL

X

UNIÃO DE FACTO EM PORTUGAL

Trata-se de um tema muito delicado, e que precisa ser esclarecido antes do estabelecimento da união entre cidadãos brasileiros e portugueses, já que Brasil e Portugal tratam o assunto de forma bastante diferenciada.

BREVES ESCLARECIMENTOS SOBRE A UNIÃO ESTÁVEL NO BRASIL

A união estável no Brasil atingiu um alto nível de evolução desde que foi criada no ordenamento jurídico, sendo hoje, regulamentada tanto pela constituição (art. 226, §3º[1]), quanto pelo código civil (art. 1.723[2]).

A união estável é detentora de uma interpretação “análoga” à do casamento.

CUIDADO! Quando se fala em situação análoga, se quer dizer de teor semelhante, e não igual.

– A união estável é uma situação fática e depende de provas.

– O casamento é um título que garante direitos.

Para se considerar em situação de união estável no Brasil, é preciso manter uma união análoga à do casamento, de forma pública e notória, sendo válidos todos os tipos de prova (comprovantes de residência, fotos, status em redes sociais, filhos comuns, testemunhas, etc), não existindo prazo mínimo para a sua caracterização.

Para a sua formalização legal, é possível realizar uma Escritura Pública em cartório notarial, ou um Contrato Particular com advogado(a), sendo de preferência, um especialista em direito de família.

O regime de bens segue a praxe do casamento (comunhão parcial de bens[3]), podendo os unidos escolherem outro regime ou a mistura de regimes através de contrato.

Atualmente, o provimento nº 146/2023 do CNJ, ratificou a legitimidade dos registros civis de pessoas naturais para lavrar termo declaratório de dissolução de união estável, alterar o regime de bens e realizar partilhas de bens móveis e imóveis de valores até 30 salários mínimos, ressaltando que documentos realizados no exterior devem ser levados ao RTD (registro de títulos e documentos).

OBS: Destaca-se que toda a matéria supracitada se aplica na mesma proporção às uniões homoafetivas.

BREVES ESCLARECIMENTOS SOBRE A UNIÃO DE FACTO EM PORTUGAL

A união de facto em Portugal possui lei própria – Lei nº 7/2001[4], que não se traduz em proteção patrimonial dos unidos de facto.

Primeiramente, para se considerar unido de facto em Portugal, é preciso fazer prova de que a união ultrapassa o período de 2 anos[5], ou seja, que se consolidou no tempo, pois só a partir deste período é que a lei poderá ser aplicada ao casal.

A prova mais comum para este efeito, é a formalização de uma declaração, sob compromisso de honra, realizada pela Junta de Freguesia do local da residência do casal, na presença de duas testemunhas.

De acordo com a lei da união de facto, não se atribui aos unidos os direitos pessoais e patrimoniais, nem tampouco os efeitos sucessórios da união, deixando claro que não se aplica, por analogia, o art. 1672º do código civil português (que impõe deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência).

Portanto, muito cuidado!

A interpretação da maioria dos doutrinadores portugueses, é de que a lei da união de facto não deixou qualquer lacuna que permita a analogia ao casamento. Logo, não cabe a tentativa.

A jurisprudência resolve algumas discussões patrimoniais que chegam ao judiciário com o art. 473º do CC português (argumento do enriquecimento sem causa, que vai de encontro ao regime de adquiridos), mas não é unânime, cabendo às partes o risco da discussão.

Quanto à dissolução, a união de facto dissolve-se:

  1. Com o falecimento de um dos membros;
  2. Por vontade de um dos membros;
  3. Com o casamento de um dos membros.

OBS: A dissolução por vontade de um dos membros apenas tem de ser judicialmente declarada quando se pretender direitos que dependam dela. Ex. a discussão de bens adquiridos em conjunto, mas que constem no nome de apenas um dos companheiros.

Como nem tudo está perdido, a lei possui um caráter assistencialista nos termos do art. 3º, a saber:

  Artigo 3.º Efeitos:
 As pessoas que vivem em união de facto nas condições revistas na presente lei têm direito a:
a) Protecção da casa de morada de família, nos termos da presente lei;

b) Beneficiar do regime jurídico aplicável a pessoas casadas em matéria de férias, feriados, faltas, licenças e de preferência na colocação dos trabalhadores da Administração Pública;

c) Beneficiar de regime jurídico equiparado ao aplicável a pessoas casadas vinculadas por contrato de trabalho, em matéria de férias, feriados, faltas e licenças;

d) Aplicação do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens;

e) Protecção social na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social e da presente lei;

f) Prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, por aplicação dos regimes jurídicos respectivos e da presente lei;

g) Pensão de preço de sangue e por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País, por aplicação dos regimes jurídicos respectivos e da presente lei.

DIREITOS

BRASILPORTUGAL
Regida pela constituição e código civil brasileiro;  

Há aplicação analógica ao casamento;  

O membro da união estável é herdeiro legal;  



Regime da comunhão parcial de bens ( a norma de separação total de bens imposta aos maiores de 70 anos, não se aplica à união estável);  

Direito à benefícios previdenciários;    

Proteção da casa de moradia em caso de morte de um dos companheiros (direito real de habitação).
 Regida pela lei nº 7/2001.    

Não há aplicação analógica ao casamento;  

O membro da união de facto não é herdeiro legal;  

Discussão patrimonial somente em âmbito jurídico com base no enriquecimento sem causa (contribuição desequilibrada);  

Benefícios fiscais e sociais nos termos do art. 3º da LUF;  

Proteção da casa de morada de família (arts. 5º LUF e art. 1106º do CC);  

A IMPORTÂNCIA DE UMA ASSESSORIA JURÍDICA

Conforme demonstrado, Brasil e Portugal não possuem o mesmo entendimento quanto às regras da união estável/união de facto.

Logo, na união de cidadãos de ambas as nacionalidades, é preciso orientação legal quanto:

  1. Ao documento de união produzido;
  2. A fixação da residência do casal;
  3. A forma de aquisição dos bens em ambos os países;
  4. A possibilidade de se realizar pactos, contratos de coabitação, testamentos;
  5. Etc.

Assim, vale lembrar que essas e outras questões deverão ser abordadas entre o casal, que se une de boa-fé, e pretende, na eventualidade de uma dissolução, uma partilha equilibrada e justa. Por isso, a importância da orientação de um especialista.

CONCLUSÃO

Como se pode verificar, uma união estável ou de facto formada por cidadãos de nacionalidade brasileira e portuguesa deve ser construída com boa-fé e orientação jurídica especializada.

Para Portugal, não há sentido regulamentar uma união que deseja viver à margem do casamento e se favorecer da ausência de regulamentação.

Nesse sentido, o projeto de lei nº 225/XI que previa a alteração da LUF em matéria patrimonial, não passou.

Para o Brasil, não há o que falar em ausência de direitos. A união estável encontra-se devidamente regulamentada, com um único impeditivo de reconhecimento (caso em que um dos unidos for casado sem a comprovação de separação de fato no mesmo período).

Logo, se pretende assumir uma união nestes termos, envolvendo o direito brasileiro e português, agende uma consulta.

Priscilla Sant’Anna


[1] Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. 

[2] Art. 1.723, do CC. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.§ 1 A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente. § 2 As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.

[3] Art. 1.725, CC. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

[4] Disponível na Lei nº 7/2001 (União de Facto em Portugal).

[5] Art. 1º, nº2 da Lei nº 7/2007.